domingo, 30 de janeiro de 2011

Nathan e as Orquídeas

        Neste sábado, dia 29 de janeiro de 2011, minha amiga Leda Maldonado, conhecida profissional da área paisagística de Itaipava e Petrópolis, me apresentou o jovem Nathan Miranda Gazineu David, de 17 anos, trazendo-o à minha casa, com o objetivo de mostrar a ele minha coleção de plantas. Leda me falou do rapaz, afirmando que se tratava de um “novo Orlando, trinta e cinco anos depois”. Ela queria referir, com isso, minha história de vida, relacionada às ciências naturais, que passara por situações similares, não somente na escolha dos gostos do jovem Nathan, semelhantes aos meus – principalmente orquídeas – mas também pela forma como ele hoje busca conhecer pessoas notoriamente ligadas ao meio ambiente, às plantas. Tínhamos uma tarde excepcionalmente quente, para os padrões locais, mas não deixamos de caminhar entre as plantas, conversando sobre orquídeas, bromélias, filodendros e outras paixões comuns aos dois.

        Não pude deixar de relatar a ele sobre uma das mais marcantes oportunidades que a vida me ofereceu, quando buscava as mesmas coisas que ele, nos anos de 1970, no Rio de Janeiro. Foi quando bati às portas do Departamento de Botânica Sistemática do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, junto com meu colega de Grupo Quati de Pesquisa e Estudos da Vida Selvagem – Paulo Raguenet – procurando por um estágio. “Estágio? Não, isso não é bem assim”, nos falou um funcionário que nos recebeu, dois meninos, tais como o Nathan, à porta do Departamento. Porém, escapando ao comportamento habitual dos burocratas, este senhor ainda pensou um pouco, pediu que esperássemos um instante e foi falar com alguém: “Esperem, pois tem uma pessoa que talvez possa lhes ajudar”. Retornou, instantes depois, com uma senhora pequenina que logo nos perguntou: “O que querem?” A resposta: “Conhecer plantas, saber mais sobre botânica!”.

        Aquela senhora era nada menos do que a Dra. Graziela Maciel Barroso, botânica que mudou o curso da pesquisa e da própria instituição do Jardim Botânico, vindo a se tornar a mais célebre taxonomista da América Latina. “Se vocês querem conhecimento, venham comigo. Não temos dinheiro para pagar e nem tanta estrutura assim (Que diferença para os dias de hoje!), mas as portas estão sempre abertas ao conhecimento...” Permaneci cerca de um ano, trabalhando no Jardim, onde também fui orientado pela Dra. Ariane Luna Peixoto, mais tarde diretora da Escola Nacional de Botânica Tropical e igualmente uma botânica de expressão mundial. Aquele gesto de boa vontade, contei a Nathan, abriu caminhos para tudo o que veio depois. Por isso, temos que estar sempre de portas abertas para os jovens, quando demonstram avidez pelo bom, pelo progresso cultural. Dona Grazi, como era conhecida no JBRJ, trabalhou duramente, até os 92 anos, formando novas gerações, que hoje brilham no cenário científico.

        Tocou-me bastante a figura límpida e clara do menino Nathan. Enxerguei-me nele, não somente pela repetição romântica de meus passos, tantos anos atrás, mas pelo seu jeito típico do jovem de hoje. Assim como eu, nos anos setenta, ele trajava roupas de moda, assessórios “da hora” e sua mochila, às costas. Falava bastante, tentando demonstrar seus conhecimentos sobre as plantas – excelentes, por sinal – e portava uma câmera fotográfica digital, coisa impensável, em minha época. No visor da maquininha, me mostrava imagens de orquídeas, bromélias e outras paixões, além de seu orquidário, assim como o meu da Ipanema daqueles tempos, uma estrutura improvisada, própria da idade e das posses de um adolescente. Estava ali um jovem saudável, com sua vaidade típica dos dezessete, mas cheio de sonhos e vontades.

        Tentei orientar, no pouco que pude, pensando que me encontrava agora do outro lado da vitrine. Olhando para o novo naturalista Nathan, que deseja ser, em suas palavras, Biólogo – Taxonomista Botânico – Especialista em Orchidaceae – mais em especial ainda, do gênero Agraecum – olhava para mim mesmo, no passado. Tinha ali, em minha frente, mais um sonhador, um idealista, com seus projetos. Não pude deixar de dar a ele um último conselho, antes de nos despedirmos: Projetos são planos de viagem. Tendo-os, sabemos para onde estamos querendo ir e poderemos, se necessário ou interessante for, mudar de rumo, no sentido de nossas realizações. Sem projetos, somos naus sem bússola e não sabemos para onde vamos, quase sempre encalhando em praias ruins. Boa sorte, Nathan! Lá de cima, Dona Graziela talvez esteja a me olhar, pensando que seu coração aberto conseguiu sensibilizar outros corações, outras mentes, dispondo novas pontes para novas carreiras, novas missões de vida. Satisfeito em poder ajudar, despedi-me do mais novo naturalista brasileiro, que seguia seu curso. Como dormi bem, esta noite. Eu, minhas orquídeas e minhas boas lembranças.


O Autor - Orlando Graeff - no final da Década de 1970, no Vale do rio Soberbo, Serra dos Órgãos, compenetrado, fotografando a floresta.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Parques Fluviais – O Parque da Orla do Piabanha e a Tragédia de Itaipava

Tinha decidido não tratar mais, neste blog, dos horrendos acontecimentos que vitimaram mais de 760 pessoas, em todo o Rio de Janeiro, 64 delas, pelo que consta, somente no Vale do Cuiabá, aqui em Itaipava. Falo da tragédia de Itaipava, na madrugada de 11 para 12 de janeiro, quando chuvas descomunais se abateram, sobre uma extensa linha de montanhas, na Região Serrana Fluminense, ocasionando escorregamentos, corridas de lama (Ver texto do dia 13 de janeiro, neste blog) e enchentes, que esmagaram não somente casas e gente, mas também a maior parte dos conceitos e conhecimentos da área técnica. Porém, ficara uma lacuna a ser preenchida, para mim, referente ao Parque da Orla do Piabanha, em Itaipava, que ficou conhecido como POP. Criado por mim e pela Yara Valverde, com a ajuda inestimável do falecido Luiz Campos Filho e do Guilherme Siqueira, em 2006, o POP acabou virando realidade, anos depois, com o pomposo nome de Parque Fluvial do Piabanha – Santo Antônio.
Mas, o que teria a ver o POP com a tragédia de Itaipava? Bem, para que o leitor possa entender um pouquinho do que digo, seria interessante que conhecesse o Parque Orla do Piabanha, o que pode ser feito a partir da consulta do projeto, publicado no portal Pluridoc (www.pluridoc.com). O POP nasceu, muitos anos antes, quando uma dragagem do rio Piabanha resultou em drásticas intervenções, nas suas margens, provocando celeuma ambiental. As dragagens eram necessárias, pois as enchentes assolavam a região e nenhuma outra solução podia ser apontada. Mas, o que fazer com as margens do Piabanha, antes que fossem ainda mais invadidas pelas ocupações ilegais e de alto risco? Surgiu, então, a idéia de se criar um parque público, que mesclasse os objetivos de laser e conservação ambiental, possibilitando a repetição previsível de outras obras de limpeza e dragagem, no futuro.
Em 2006, após a publicação da idéia e de meus desenhos, em parceria com o Luiz Campos Filho, na Revista Estações de Itaipava, um grupo de cidadãos petropolitanos, unidos em torno da NOVAMOSANTA, uma associação de moradores de Itaipava, resolveu convidar-nos a desenvolver o projeto, em nível conceitual. O sucesso foi total e, pela vontade dessa gente decidida, o POP acabou se transformando no Parque Fluvial do Piabanha – Santo Antônio, por abranger também o rio Santo Antônio, que recebe os rios do Jacó e Cuiabá, acima, desaguando no Piabanha, bem no Centro de Itaipava. Nem precisaria dizer que sua simplicidade se tornou complexa e muitas outras canetas apontaram a prancheta, até que ele tivesse suas obras iniciadas, com grande pompa de estado, durante 2010, um ano eleitoral. Nesta fase, tão somente pude ajudar definindo os conceitos da área de arborização e jardins, radicalmente alterados, tempos depois, na hora de ir para o campo.
Não vim aqui para criticar as obras de implantação do Parque Fluvial do Piabanha – Santo Antônio, até por que já lhe sobram duros ataques, por parte da sociedade, que vê seu sonho se transformar numa colcha de retalhos políticos, administrativos e de vaidades insaciáveis. Continuo a torcer para que ele se torne realidade, do jeito que vier, pois será ainda melhor do que a degradação definitiva e irreversível, liquidamente certa, frente ao seu eventual fracasso. Muito pelo contrário, venho declarar meu encanto com o cumprimento claro e inequívoco de sua função principal, cujo sucesso se pôde constatar, logo depois da medonha torrente de lama e destroços ter passado: Falo de sua missão de não atrapalhar o curso das águas dos rios, seja qual for sua vazão. Sim, pois este preceito havia ficado bem evidente no POP, como qualquer um poderá observar, no projeto de 2006, disponível na internet. As feições das margens do rio deveriam ser preservadas, prevendo que o rio pudesse vir a sofrer cheias, momentos nos quais necessitaria dessas calhas de transbordamento, para evitar tragédias maiores.
Em nossa concepção, o POP seria utilizado pelas pessoas, para caminhadas, passeios de bicicleta, cavalgadas e lazer, em geral, trazendo convívio do ser humano com o rio, já tão agredido e, com isso, restabelecendo ligações afetivas entre ele e a natureza. Nos momentos de cheia, seja com qual força isso ocorresse, a calha do rio seria utilizada por ele e suas águas, como sempre fora, por milhares de anos. Terminadas as enchentes, o POP seria limpo, sua grama cortada e seus pavimentos reparados, se necessário, retornando todos à vida normal – o rio e as pessoas. Isso não poderia ser feito com casas, carros e, é claro, vidas humanas. Por fim, tornando-se necessárias obras de dragagem e limpeza, as vias internas do POP serviriam para o movimento de máquinas e caminhões, voltando ao domínio dos cidadãos, logo depois.
O pequeno pedaço de Parque Fluvial do Piabanha – Santo Antônio, já iniciado, exatamente na barra do Santo Antônio, ponto final da terrível torrente da madrugada de 11 para 12 de janeiro de 2011, mostrou exatamente esta capacidade. O único pedaço da pequena praça que sofreu danos foi um trecho destituído de gabião (Enrocamento), um erro de execução, por sinal, que poderá ser facilmente reparado, antes da conclusão das obras. Podemos observar, com isso, que o caminho para essa nova relação “homem – cursos d’água urbanos” é mesmo esse, ou seja, os Parques Fluviais. Deixo aqui uma pergunta, meio imaginativa, sem querer bancar o chato, que só aparece depois dos fatos, para falar: Viu? Eu não falei? Essa pergunta, que pretendo ser construtiva, é a seguinte: Já imaginaram se, em vez de favelas, ocupações irregulares ou de risco, aterros etc., no Vale do Cuiabá, tivéssemos o POC (Parque da Orla do Cuiabá), teríamos assistido aos horrores noticiados? Ou estaríamos hoje apenas limpando o parque, para novos dias de sol, lazer e muito turismo – e divisas – na nossa querida e famosa Itaipava?







sábado, 15 de janeiro de 2011

A Tragédia de Itaipava III - Enchente... Não! Uma Corrida de Lama

Na internet, através de sites como G1 e O Globo, podemos hoje acompanhar  centenas de fotografias extremamente esclarecedoras do que ocorreu, na noite do dia 11 para 12 de janeiro, quando uma verdadeira bomba meteorológica despencou dos céus e ocasionou a morte, até agora contada, de mais de 500 pessoas, entre Itaipava, Teresópolis, São José do Vale do Rio Preto e Nova Friburgo. Mais do que percorrer essas galerias de imagens, em busca de simples curiosidade mórbida, podemos aproveitar essa oportunidade informativa para refletir sobre o que ocorreu, subsidiando análises técnicas que nos levarão a entender os processos e tentar – pelo menos – prevenir outras ocorrências parecidas.
Primeiramente, torna-se importante compreender o que ocorreu com o tempo meteorológico, em si, que foi o gatilho inicial de todo o resto. Estamos em plena vigência do fenômeno conhecido como La Niña, que tem tomado força, desde o ano passado, determinando modificação notável dos padrões de circulação atmosférica. As previsões iniciais eram: Mais chuvas no norte, menos chuvas no sul e... Padrões normais no restante do país, o que incluiria o Centro-Oeste e o nosso Sudeste. Tendo retornado do Cone Sul – Uruguay e Rio Grande do Sul – há alguns dias, posso atestar: Por lá, as previsões foram certeiras e a região já enfrenta sérios problemas de secas. No Centro-Oeste, as chuvas vêm sendo um pouco acima do previsto, mas nada de tão grave, até agora. Para nós, aqui, nem é necessário dizer que a Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCZS) formou um corredor fortíssimo, trazendo grande quantidade de umidade da Amazônia, fazendo-a despencar insistentemente sobre o Rio de Janeiro e São Paulo.
Não existe ainda qualquer escape inquestionável do comportamento do clima, no que ocorreu até agora. Mas, pode-se sim dizer que a luz vermelha já andou acendendo, uma vez que a recorrência de precipitações dessa ordem é bem rara – Mais de 120mm para grande parte da área afetada e incríveis 180mm na direção de Nova Friburgo. Pelo menos foi isso que a imprensa veiculou, mas isso terá que ser conferido, junto aos órgãos competentes, para se ter certeza do que dizemos. Ora, níveis de precipitação de 60mm já costumam ocasionar tragédias, em regiões de relevo como o nosso, fortemente inclinado e crítico. O que dizer de chuvas como as dessa semana? Porém, como é de costume, nessa época do ano, o que realmente contou foi a umidade antecedente. Explico: Foi a chuva que, lenta e gradualmente, caiu na região, durante praticamente todo o final de dezembro e início de janeiro. O solo se encharcou, se fluidificou e se preparou para o golpe final.
Daí vem a discussão sobre as causas humanas da tragédia. Afinal, jamais se tinha visto destruição desta ordem, parecendo uma dramática resposta da natureza, contra as agressões que o homem lhe vem impondo. Um pouco de cada coisa, podemos afirmar. Sim, o homem potencializou tudo isso e não foi somente nos últimos anos, ao construir nas margens dos rios e nas encostas. Afinal, a devastação atingiu áreas aparentemente nunca antes afetadas, algumas bem longe das linhas de risco usualmente aceitas. Mas, apenas numa rápida olhada nas fotografias veiculadas, podemos notar a ruptura de cabeceiras de altas encostas, que iniciaram os escorregamentos, quase sempre coincidindo com “pelados” (áreas parcamente vegetadas, devido a solos fracos), zonas de pastagens degradadas e, como não poderia deixar de ser, de solos rasos, sobrejacentes a rochas granitóides, que são os chamados “contatos solo-rocha sã” dos Geólogos e Geomorfólogos. Sob este aspecto, pode-se afirmar que o uso histórico do solo PELO HOMEM preponderou, como causa humana da tragédia, sobrepujando a predisposição da população atual de se colocar diante das águas... Águas? Não, não foram apenas as águas que causaram tudo isso e é muito bom que isso fique claro, para que não se misturem assuntos e estratégias de enfrentamento do problema.
O que se viveu, na noite de 11 para 12 de janeiro, misturou dois tipos de fenômenos altamente destrutivos, bem conhecidos dos Geomorfólogos, mas que ocasionam certa confusão, por ligados que costumam ser, o que lhes determina fronteiras nebulosas: O primeiro deles, em alta encosta, foi o escorregamento, no qual a terra de descola e desce pela rampa, soterrando o que lhe estiver pelo caminho; O segundo, que predominou como frente destrutiva, foi a corrida de lama, uma torrente de solo fluidificado, misturada com água e, é claro, toda sorte de materiais que encontrar pelo caminho, que corre aceleradamente, pelas calhas de rios e vales, destruindo tudo o que encontrar pela frente. Assim, devemos ter claro que o que destruiu tanta coisa e matou tantas pessoas não foi uma enchente e sim uma corrida de lama.
A corrida de lama, pela sua alta viscosidade, tal como uma corrente de óleo, possui a capacidade de mover e arrastar corpos que jamais seriam movidos pela água pura. Falo de corpos, no sentido físico, o que por certo não excluiu os corpos humanos que marcaram as imagens da tragédia. Foram blocos de rocha monumentais, casas, carros e troncos, que serviam como verdadeiros aríetes, em seu percurso destruidor, vales abaixo. Cabe ressaltar que a história geológica desses vales é marcada por incontáveis ocorrências deste tipo, como atestam os inúmeros blocos de rocha e reentrâncias escavadas lateralmente nos vales. Isso nos faz ver que, mesmo acima da influência do homem, mesmo em tempo mais longo do que sua existência na região, a paisagem já experimentou coisa igual ou pior e, sinto ter que informar: Ainda haverá muitas outras, sabe-se lá quando. Por isso, caros amigos, é que venho batendo, insistentemente, nesta tecla que, por vezes, parece soar meio agressiva ou radical. Chegou a hora de revermos o mapa de ocupação e uso do solo de regiões como a nossa. E, como já vim de falar, anteriormente, precisaremos de coragem política e abnegação eleitoreira, por parte dos mandatários, sempre preocupados com sua famigerada perpetuação no poder.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

A Tragédia de Itaipava II - Em Busca da Mudança de Paradigmas

Meu amigo Maurício Verboonen, companheiro de aventuras, pelo Brasil afora, me escreveu, falando sobre o texto que postei, referente à tragédia do Vale do Cuiabá, ocasionada pelas chuvas desta semana. Disse-me ele:
“É a maior verdade a sua análise da tragédia, pois não se pode alegar surpresa quanto aos danos causados nas casas que foram afetadas; de fato é um evento causado por uma precipitação de chuva extraordinária mas previsível de ocorrer em um prazo de décadas, cabe ao poder público analisar os riscos e não autorizar a ocupação das áreas que podem ser afetadas e remover as construções já edificadas.
O paternalismo eleitoreiro ignora esta obrigação e autoriza construir, permite ligação de luz e água, estimula a urbanização, asfaltamento, linhas de ônibus e colhe os votos dos beneficiados por estas ações. As tragédias são explicadas por fatos imprevistos ou pela ridícula sugestão que as águas são obstruídas pelo lixo (a contribuição do lixo é desprezível nos alagamentos que vimos ontem).
Qual o tamanho da tarefa? Alargamento dos canais dos rios, construção de bacias para dispersar o volume maior da enchente, interdição de encostas e várzeas para a construção de prédios, demolição e reconstrução de milhares de imóveis em áreas seguras e por aí vai...
Sendo assim eu prevejo a repetição do mesmo de sempre: prantear os mortos, sepultá-los e esquecer o ocorrido; verbas para a reconstrução serão gastas porcamente ou roubadas e segue a nossa triste avacalhação.
Nenhum otimismo. Me dê esperanças”
Achei importante transcrever sua mensagem, antes de firmar minhas impressões, com respeito ao que ele afirmou. Como qualquer um pode ver, grande parte das pessoas pensa desta maneira, que pode ser resumida num paradigma essencial: O sistema não se fundamenta na racionalidade técnica, mas sim, essencialmente, no eterno jogo da perpetuação do poder. Não seriam necessárias mais palavras, para definir o padrão cultural envolvido na repetição cíclica de tragédias, epidemias e outras vicissitudes deste Brasil que vai pra frente. Mas, creio que não poderei deixar de apontar caminhos, mesmo que, como afirmou meu amigo Maurício, o poder estabelecido continue “pouco ligando e andando” para minhas opiniões.
Escutei um entrevistado da Rede Globo, cujo nome não tive tempo de anotar e, portanto, peço a licença da transcrição de suas afirmações, sem a citação de sua autoria. Disse ele: “Durante muitos anos, acreditávamos nada poder fazer, com relação à situação do Morro do Alemão, no Rio. Pois bem. Mostramos ser possível fazer diferente, por lá. E a comunidade hoje se encontra pacificada e a vida mudou. Por que não podemos fazer o mesmo, com relação à repetição de tantas tragédias, todos os anos, dando um basta nesse jogo de empurrar para frente?” Foi disso que Maurício me falou: “Qual o tamanho da tarefa?” Ela é imensa, não há dúvidas, como era quase impensável a tarefa do Morro do Alemão. Certamente, deverá ser enfrentada com coragem política, espero que ela ainda exista, em alguma dessas cabeças coroadas que andamos colocando lá, nas Câmaras de Vereadores, Prefeituras, Alerj e Palácio das Laranjeiras.
Sempre fui encarado, por muitas (Não poucas) pessoas, como um tipo de fascista ecológico, quando afirmava, sem medos das estrelas vermelhas do poder, que era favorável às remoções de famílias de áreas de risco, do enfrentamento duro dos processos de urbanização caótica, nas encostas e zonas de risco. Devolviam-me com os usuais desaforos: “Você quer tirar pessoas para plantar bromélias e ajudar os bichinhos”. Vêem agora a injustiça? Não comigo, mas com essa gente, essas pessoas, que eram ali mantidas, por suposta justiça social, apenas para morrer agora, sob toneladas de entulho. Enquanto isso, os estrelados vestem honradamente seus uniformes de campanha camuflados e se atiram heroicamente ao resgate dos desvalidos, fingindo não terem sido eles, lá atrás, quem realmente os manteve, ecologicamente, na frente da torrente de lama assassina. Repito o que venho afirmando: Remoção sim, por que não? Vamos mudar definitivamente este paradigma imbecil? Então, mesmo sem ser especialista em políticas habitacionais, mas a partir de minha pequena experiência em meio ambiente, aqui vai uma receita de bolo, para ser melhorada pelos doutores do poder:
1)Procure, inicialmente, recursos financeiros (que efetivamente existem – A Dilma falou!) para aplicar no processo; 2)Encontre, a partir de diagnósticos responsáveis, adicionando um pouco de boa vontade, áreas disponíveis para realocação, com toda a decência – Use uma pitada de autoridade, se dispuser deste condimento; 3)Retire as famílias dos locais de risco, indicados por levantamentos técnicos (Este produto se encontra disponível em qualquer gabinete das universidades e mesmo no governo); 4)Coloque as famílias em local seguro e, por fim; 5)Transforme as áreas de risco em parques fluviais, florestas urbanas e outras modalidades de áreas públicas, em caráter irrevogável. As calhas de rios e alinhamentos de fluxo devem ser sistematizadas, de forma a absorver possíveis sobre-fluxos. Pronto, a receita está pronta e pode ser servida para a sociedade. Mas, cuidado: Se você que a prepara tiver cargo eletivo, poderá não se reeleger, pois certamente desagradará muitas pessoas. Mas, com certeza, terá cumprido com suas obrigações e o futuro mostrará isso.
Ainda pretendo voltar a este assunto, mais à frente, assim como ao dos parques fluviais, como o Orla do Piabanha, que vêm sendo bastante comentados, por tratar áreas de margens de rios. Por fim: Chega de reeleições! Ao buscá-las, freneticamente, os políticos fazem toda sorte de tratos com o diabo e viram as costas às suas verdadeiras obrigações – CUIDAR DA COLETIVIDADE!

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

A tragédia de Itaipava

Quando iniciei meus trabalhos, na área ambiental, em Petrópolis, no início da década de 1990, tomei contato, pela primeira vez, com as idéias dos diagnósticos e zoneamentos ambientais, através das idéias defendidas pela então Chefe (Gerente) da Área de Proteção Ambiental da Região Serrana de Petrópolis (APA-Petrópolis) Yara Valverde. Para aqueles que não são plenamente familiarizados com as políticas públicas para meio ambiente, devo explicar que uma APA representa uma determinada área territorial, definida por Lei, na qual as atividades humanas devem ser conduzidas sob diretrizes especialmente direcionadas à proteção da natureza. É uma unidade de conservação, neste caso, sob a tutela do Governo Federal (Instituto Chico Mendes – Ex-Ibama), mas não é propriedade da União, como os Parques Nacionais ou Reservas Biológicas. Não possui cercas e portarias, as terras são privadas e apenas o desenvolvimento humano é supervisionado pelo Estado... Ou, pelo menos, deveria.
Yara Valverde, hoje Doutora em Gestão Ambiental, com ênfase em APAs e paisagens protegidas, preconizava a realização de estudos ambientais, incluindo o chamado Geoprocessamento (Análise de imagens e mapas), antes da realização de qualquer projeto de desenvolvimento urbano. Como Petrópolis e Itaipava sempre foram áreas de grande interesse, para o desenvolvimento de condomínios e loteamentos, acabei assessorando inúmeros empreendedores, na tarefa de planejar essas novas áreas habitadas, cuidando para que seu inevitável impacto ambiental fosse o menor possível e, em alguns felizes casos, as paisagens resultantes se tornassem ainda melhores do que antes. Não demorou para que eu percebesse a filosofia da Yara Valverde de, sim, aceitar que o desenvolvimento era inevitável, mas que poderia servir para se traçarem as linhas de uma paisagem urbana bem melhor, para o futuro.
Aprendi muito, fazendo o que fazia e observando os demais profissionais Arquitetos, Engenheiros e Geólogos, que planejavam essas novas áreas residenciais e que me escutavam, quando também eu indicava diretrizes e recomendações, em minha área específica de atuação – Agronomia (Sentido Amplo), dentro dos Diagnósticos e Zoneamentos Ambientais. Percebi que, quando se decide desempenhar corretamente o planejamento urbano, utilizando-se técnicas e não a politicagem e o populismo, podem efetivamente surgir cidades melhores e mais seguras. Porém, quando se vira as costas para tudo isso, estamos semeando tragédias, tais como essas que agora se repetem, de forma avassaladora, nas cidades serranas de Petrópolis (Itaipava), Teresópolis e Nova Friburgo. Vi nascerem condomínios e loteamentos que hoje representam áreas seguras e relativamente conservadas, em seu meio ambiente: Condomínio Quinta do Lago; Vale do Barão; Santa Clara (Araras), entre outros, todos precedidos de estudos ambientais, planejamento e estudos de impacto ambiental.
No sentido inverso, assisti à luta da Yara Valverde, assim como da então Promotora de Justiça Denise Tarin e de outras autoridades, contra a liberalidade com que os gestores públicos, principalmente do poder público municipal, tratavam a questão habitacional popular. Votos eram a única e exclusiva motivação desses “homens públicos” para a condução dos rumos do desenvolvimento de qualquer uma dessas cidades. Fiz minha parte, até onde o pensamento ético e técnico foi demandado, neste processo complexo. Depois, frente ao desinteresse real pela qualidade do desenvolvimento e ao êxito dos interesses políticos “desenvolvimentistas”, fui gradualmente me afastando, pois não tinha forças contra os PACs impostos como “solução final”, a qualquer custo. Isso tem tudo a ver com o que postei, alguns textos atrás, neste blog: Consumo a qualquer custo!
Sonho, realmente, em ver restituído o império da Lei e da técnica, contra a vontade pessoal de pessoas guindadas ao poder, pela força dos votos dos que hoje morrem, debaixo da lama e dos entulhos. Idealizo uma paisagem urbana responsavelmente administrada, na qual se retirem definitivamente as pessoas de áreas potencialmente perigosas, realocando-as em bairros planejados. Para isso, teremos que ter coragem de perder votos, nas próximas eleições, desde que tomemos as decisões corretas, preocupando-nos com o bem comum, ao final do processo, e não com as ambicionadas reeleições – O pior dos vícios políticos da humanidade. Remoção? Sim, por que não? Desde que seja feito de forma correta, humana e planejada. Reeleição? Não! Essa doença deveria ser banida de vez de nossa democracia.
Costumo acompanhar meus textos de fotografias, que servem para tornar menos tediosa a leitura e alegrar a página. Peço desculpas, desta vez, mas me abstenho de reproduzir as imagens medonhas a que tenho tido acesso, pelo Facebook e internet, de modo geral, sobre a tragédia ocorrida em minha vizinhança de Itaipava. Não quero que sirvam como apelo, golpe baixo, soco no estômago de meus amigos e leitores.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Cone Sul – Verão 2010/2011 – MEU TERROIR GAÚCHO

Para os amantes de vinhos e os enólogos, um Terroir significa, fundamentalmente, o conjunto de condições ecológicas, nas quais determinada cepa ou vinha foi cultivada, antes de gerar o vinho: Clima local (Topoclima); Condições de radiação solar naquele ano; Umidade do solo, durante o desenvolvimento e; Solos, principalmente – Daí o termo TERROIR. Para mim, contudo, um pobre apreciador de vinhos e nada mais, um Terroir pode congregar conjunto mais subjetivo, mais sensitivo, envolvendo as condições culturais em que determinado vinho nasceu e, até mesmo, por que não, o ambiente e a emoção, no momento em que foi bebido.
Não me arvoro de conhecedor de vinhos, o que não sou, por mais que me esforce. É claro que, com o passar dos anos – e das garrafas – a gente acaba sabendo um pouquinho mais, tal qual ocorre quando nos interessamos por outros assuntos, o que, em meu caso, concerne à Geografia Botânica. Determinado a escrever uma obra sobre as vegetações do Brasil e de alguns países fronteiriços, acabei por conhecer razoavelmente o assunto e creio que não faria feio, hoje em dia, se tivesse que discuti-lo, em rodas iniciadas. Assim, colecionando centenas de rolhas, acabei desenvolvendo alguma sensibilidade, com relação aos vinhos. Sensibilidade, eu falei. Como sujeito bastante afeto à sensibilidade, artista que sou, tem sido ela meu guia, na arte de apreciar vinhos. E foi assim que encontrei, entendi e passei a apreciar alguns tipos de Terroir, nesta minha mais recente viagem, que me levou até o Rio Grande do Sul e ao Uruguay.
No Uruguay, durante minha segunda passagem pelo pequeno país, pude finalmente entender como eles produzem suas uvas, basicamente em dois lugares: As cercanias de Montevideo, sob clima fortemente marítimo e sobre velhos solos, assentados sobre granitos róseos e; Na região Noroeste, espremidas entre a pampa sem fim e as Serras do Sudoeste Gaúcho, num clima bem mais seco e a partir de solos drenados. Aliás, do lado brasileiro, os gaúchos da Almadén e da Santa Colina também mantêm vinhedos, numa região conhecida como Campanha Gaúcha, próximo a Santana do Livramento. Apreciei fartamente os vinhos Tannat do Uruguay, num restaurante pra lá de recomendável, em Montevideo, chamado El Fogon, harmonizando-se com entrecotes suculentos e uma paleta de cordeiro memorável. A despeito de tantas boas marcas, ficou a excelente impressão dos vinhos da Stagnari, sendo regionalmente reputada a safra de 2002 como uma das melhores já ocorridas, nos últimos anos. Se bem que, a julgar pela severa seca que assola o Uruguay, este ano, vêm aí excelentes vinhos, na próxima safra.
Porém, foi no Vale dos Vinhedos que tive a minha melhor experiência enológica dos últimos tempos, exatamente pela minha definição anteriormente citada de Terroir: O Terroir da sensibilidade, surgido não somente no detido exame das condições ecológicas daquela região, que já se considera uma Denominação de Origem Controlada brasileira, mas pelas condições afetivas que envolveram minha visita. Explico: A recepção carinhosa, regada a intensa identificação pessoal com o enólogo Luis Henrique Zanini, da Vinícola Vallontano (www.vallontano.com.br), da qual surgiu o meu Terroir preferido, na Serra Gaúcha.
Zanini já é velho conhecido, tendo sido a mim apresentado, tempos atrás, quando ainda engarrafava seus vinhos naqueles garrafões tradicionais da Colônia Italiana, época desde a qual passou a se esmerar, na busca da formação da hoje excelente qualidade dos vinhos fabricados, ou melhor, nascidos na Vallontano. Desde então venho acompanhando seu trabalho, que já me brindara com Tannats expressivos e Cabernet Sauvignons respeitáveis. Mas, desta vez, Zanini tratou de sedimentar, na mais pura acepção do termo, meu Terroir preferido, na Serra Gaúcha: O Terroir Vallontano, de Luis Henrique Zanini, durante nossa visita à sua cantina, em Bento Gonçalves.
No dia 28 de dezembro de 2010, o ocupadíssimo enólogo da Vallontano se dispôs a nos receber, pessoalmente e exclusivamente, em suas instalações do Vale dos Vinhedos, reservando-nos duas agradáveis horas de seu precioso tempo, durante as quais nos mostrou tudo sobre seus processos de vinificação e sobre sua filosofia purista, na busca de vinhos de alma e corpo. Zanini somente utiliza uvas de vinhedos próprios, em seu processo de vinificação, nem um grão sequer fora de seu meticuloso controle produtivo, o que chega a impor-lhe frustrações de safra, caso não consiga a qualidade almejada. Com isso, sua produção é pequena e se vê praticamente toda absorvida pela distribuidora Mistral, de São Paulo. Conhecendo pessoalmente processos produtivos da Itália e da França (Borgonha), ele vem desenvolvendo vinhos varietais que traduzem intensamente seu Terroir, sem deixá-los conspurcar por modismos e padrões massivos de mercado. Cada garrafa é uma garrafa, sem a preocupação economicista de afirmação em macro-mercados. Exatamente como eu, Zanini acredita que cada vinho tem seu sabor próprio, independentemente de ditames impostos pela ditadura dos “julgadores das revistas internacionais”. Já não há mais espaço para preconceitos contra vinhos nacionais do Brasil. Desde, é claro, que não busquemos neles cópias facsímile de vinhos chilenos, argentinos ou franceses.

 Vinhedos e Uvas da Vinícola Vallontano, no Vale dos Vinhedos, Rio Grande do Sul


Terminamos nossa visita degustando diversos Cabernet Sauvignon, Tannat e, é claro, os Merlot que o Rio Grande do Sul vem aprendendo a fazer, com grande talento. Posso afirmar, com meu espírito gratificado pela oportunidade a mim concedida, que identifiquei meu Terroir preferido, no Vale dos Vinhedos, no Rio Grande do Sul: O Terroir do Zanini, da Vallontano. Um Terroir feito de solos, clima, ventos e, é claro, do talento espiritual de Luis Henrique Zanini. A propósito, a Queijaria Valbrento fica bem ao lado da Vinícola Vallontano e, nela, qualquer um poderá encontrar o magnífico Culatello, para ser apreciado, devidamente regado aos vinhos da Serra Gaúcha.

Mad Max e as Abelhinhas

“Silenciosamente, bilhões de abelhas estão morrendo, colocando toda a nossa cadeia alimentar em perigo. Abelhas não fazem apenas mel, elas são uma força de trabalho gigante e humilde, polinizando 90% das plantas que produzimos”. Recebi esta mensagem, hoje cedo, pela internet, numa campanha contra os agrotóxicos, que vêm prejudicando o ambiente, por todo o Planeta. Recentemente, disparou-se um alerta, na imprensa, sobre o misterioso desaparecimento de abelhas, nos Estados Unidos e na Europa. Suas colméias eram encontradas vazias, sem que se achassem restos dos insetos, em parte alguma. Tipicamente um crime sem corpos.
Alguns dias atrás, também no Hemisfério Norte, aves morreram, aos milhares, representando igualmente um mistério, que tentou ser explicado pelo efeito de fogos de artifício, na virada do ano, entre outras razões aventadas. Bem, seja lá qual for realmente a razão para esses fenômenos que afetam a natureza, eles refletem, mais ou menos, o mesmo processo que a nós também tem afetado, matando-nos em consideráveis quantidades, tais como as chuvas, que caíram em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Falo da explosão de crescimento do homem e de suas atividades sobre o Planeta, traduzida no termo Economia de Escala. É o que todos acabamos por celebrar, elegendo políticos que fomentam esta corrente, “administrando” as coisas, de forma a não atrapalhar e deliciosa explosão de consumo e acesso de todos a tudo, indiscriminadamente. Tornou-se objetivo maior, em todas as partes, exorbitar os níveis de consumo de mercadorias, serviços, felicidades embaladas nos mais belos pacotes e embrulhos. Pelo que vemos, em seus efeitos sobre abelhinhas, passarinhos e gente, estamos realmente caminhando para o mundo do Mad Max.
Alguém se lembra do Mad Max? Era uma série de filmes de (quase) ficção, estrelados pelo baixinho Mel Gibson, na qual um ex-policial durão agia, em seu carro “envenenado” (Credo, que coisa antiga: Envenenado!), contra hordas de celerados, organizados em gangues igualmente motorizadas, que aterrorizavam o que restara de ruas e estradas, fazendo suas próprias leis. O que víamos, nos filmes do Mad Max, parece hoje muito mais próximo da realidade de nosso futuro do que os quadros depressivos e dark de outros cenários ficcionais, que imaginam apocalipses súbitos, com a terra tragando cidades, colisões de asteróides e ondas de frio que congelam até o aço. Sim, o futuro está aí mesmo, nas milícias, na dengue, nas batalhas campais, nas ruas, dentro de automóveis, com dezenas de milhares de mortos por ano nas estradas, em cada um de nós impondo nossas próprias vontades, em busca do prazer a todo custo... e na resultante morte das abelhinhas, dos passarinhos, na nossa morte.
Estamos cegos, quanto à capacidade do Mundo de abrigar bilhões de consumidores felizes, em busca de mais e mais, todos os dias, os dias todos. Espalhando-nos como uma colônia de bactérias, sobre um meio de cultura, num laboratório, tornamo-nos uma doença para o Planeta. Não me parece que alguém escute os apelos dos ambientalistas, que advertem para as abelhas que morrem, para os rios que se infectam e para a insustentabilidade da escala de consumo que impomos às terras, mares e ares.
Nesta manhã, enquanto escrevia este texto, chegavam notícias de mais uma tragédia de chuvas, na rua em que eu morava, até um ano atrás, em Itaipava, Petrópolis: Nove mortes, até o momento, no mesmo exato local em que isso já ocorrera, cerca de dois anos atrás. Lembro-me muito bem de chegar à Estrada do Gentio (local da tragédia de ontem e hoje), durante o período das últimas eleições municipais, e ver o atual prefeito, então candidato, cercado de sorridentes cabos eleitorais, tendo ao seu redor inúmeros populares, emocionados com tão ilustre presença. Como carneirinhos, aos milhares, milhões, seguimos a onda que nos leva, na direção do prazer, da felicidade que vem em forma de novos modelos de quinquilharias das quais, anos antes, jamais imaginaríamos um dia depender tanto. Não sabíamos, naquele tempo, que não poderíamos jamais ter vivido sem elas. Quanto às abelhinhas...

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

CONE SUL – Verão de 2010/2011: Vale dos Vinhedos

Uma visita ao Vale dos Vinhedos, na Serra Gaúcha, precisa começar por Carlos Barbosa, uma pequena cidade, cercada de Tramontina, por todos os lados. Falo da Tramontina dos aços finos, uma das empresas que fazem o orgulho da indústria do Rio Grande do Sul. Quem vem de Farroupilha, na direção de Bento Gonçalves, por uma estrada de movimento medonho, da qual ainda virei a falar, deverá virar à esquerda, em direção a Carlos Barbosa, que está então situada muito próximo. Quem vem de Porto Alegre, por São Vendelino, chega direto à capital dos queijos de qualidade – Carlos Barbosa, onde se fabricam os famosos queijos Santa Clara.
Carlos Barbosa tem até uma Festa do Queijo, no inverno, que atrai multidões de turistas. Mas, a maior parte das pessoas que diuturnamente acorre à cidade vem em busca da imensa loja que a Tramontina mantém, na qual se vendem praticamente todos os produtos de sua linha. De nossa parte, os itens para gastronomia são o mote de nossa visita quase anual. Nessa época do ano, próximo ao Natal, obrigamo-nos a nos espremer entre centenas de pessoas que chegam nos ônibus de turismo, ávidos pelas compras. Mas, afinal, no Brasil atual, onde é que isso não ocorre?
Mas, talvez ainda mais importante do que a Tramontina, cujas fábricas, como falei, cercam quase toda a cidade, seja a pequena lojinha chamada Fetina de Formaio, situada aos fundos da mega-loja da grande empresa. Fetina de Formaio, em dialeto gringo (Gringos, no Sul, são os italianos da Serra Gaúcha, vindos da região do Veneto), significa: Fatia de queijo. Isso explica a natureza do comércio da Fetina de Formaio, que vende produtos genuinamente italianos, dos quais também virei a falar, em outros textos. Ali, encontra-se uma das mais inigualáveis iguarias que já pudemos provar e que se tornou item básico de degustações, em dias mais frios petropolitanos: Trata-se do Culatello, que é um presunto curado, feito com o coração do pernil do porco. Lembra um presunto crudo espanhol ou de Parma italiano. Mas, eu posso afirmar, pode ser muito melhor do que muitos deles! Vai bem com praticamente todos os tintos sul-americanos, especialmente os Cabernet Sauvignon, os Malbec e, é claro, os Carmeneres chilenos.
Na Fetina de Formaio, ainda achamos salames coloniais, de javali e de lombo puro, além de toda sorte de outros produtos excepcionais do Rio Grande do Sul. Quem quiser encontrar tudo isso poderá seguir direto ao Vale dos Vinhedos, onde está situada a Queijaria Valbrenta, coirmã da Fetina de Formaio (Pertence aos mesmos donos – www.queijariavalbrenta.com.br). Mas, sem dúvida, perderá a performance genuinamente italiana e inesquecível dos familiares que atendem em Carlos Barbosa.
Voltando para Bento Gonçalves, encontra-se a rota do Vale dos Vinhedos, quase em frente ao acesso à cidade. É muito fácil e valerá à pena adentrar a Toscana Brasileira. Digo isso, na qualidade de quem esteve, ainda este ano, na Toscana Italiana, onde as paisagens são de tirar o fôlego... Assim como essas do Vale dos Vinhedos, em Bento Gonçalves. Costumamos visitar o Vale dos Vinhedos quase todos os anos, quando faço uma parada obrigatória na vinícola Vallontano (www.vallontano.com.br), cujo enólogo Luis Henrique Zanini eu muito admiro e de quem poderei falar, oportunamente, noutro texto sobre os vinhos gaúchos. Desta vez, não nos decepcionamos e pudemos desfrutar de suas paisagens harmoniosas, cuidadosamente preservadas e melhoradas pelas vinícolas, que se espalham, ao longo de seu percurso.
O Vale dos Vinhedos pode ser visitado no período de um dia, contando com cerca de 50km de vinícolas, hotéis (Poucos, ainda) e atrações, que podem ser conferidas, antecipadamente, no site da Aprovale, que é a entidade que congrega os empresários da região que produz alguns dos melhores espumantes que alguém poderia provar – www.valedosvinhedos.com.br. Porém, posso garantir: quem reservar pelo menos uns dois ou três dias no Vale dos Vinhedos não se arrependerá. Especialmente se puder ficar por ali, sem depender de dirigir para longe, ainda mais se levar uma bicicleta e uma boa câmera fotográfica.
Os vinhos da região já contam com uma denominação de origem e trazem incríveis surpresas ao apreciador que se decidir a largar os preconceitos contra produtos nacionais. Além da Vallontano, cujo Merlot e o Tannat vêm se sobressaindo como alguns dos melhores do país, posso citar as mesmas variedades da Pizzato, também uma vinícola pequena, mas que vem trabalhando bem sua qualidade. Uma grata descoberta, desta vez, foi a Trattoria Mama Gemma, próxima ao Hotel Villa Michelon, que serve massas de excelente paladar. Seu chef Altamir Pessali é o mesmo da Trattoria Primo Camilo, em Garibaldi, uma casa bem famosa na região. A Mama Gemma foi aberta há coisa de uns sessenta dias e não decepciona. Você pode pedir um tipo de rodízio, no qual poderá provar todos os seus itens.
O segredo do Vale dos Vinhedos é um Plano Diretor, rigorosamente seguido, que mantém a paisagem com seus traços italianos, com belos vinhedos recortados nas matas e agradáveis construções tradicionais. Mas, não há dúvidas: São seus vinhos, especialmente seus espumantes de grande vivacidade e frescor, que fazem valer um bom passeio.


      Acima: Ambiente típico da Colônia Italiana, no Vale dos Vinhedos


                         Acima: Interior de uma cantina familiar na Colônia Italiana, do Vale dos Vinhedos 
Abaixo: Uvas no parreiral da Vinícola Vallontano, em Bento Gonçalves


Hortênsias no eixo rodoviário que liga Gramado a Canela, na Serra Gaúcha

CONE SUL – Verão de 2010/2011


O Cone Sul da América tem sido uma das minhas maiores paixões: Sua geografia, sua natureza, suas paisagens naturais e culturais, enfim. Tenho no Rio Grande do Sul minhas origens familiares e, morando no Mato Grosso, durante a década de 1980, entre gaúchos, acabei me afinando com os hábitos e costumes do extremo meridional brasileiro. De quebra, ainda casei com uma gaúcha, o que sempre me faz visitar aquelas terras, todos os anos, unindo os objetivos de rever a família dela e a minha.
O Rio Grande do Sul sempre foi um modelo, na mente da maioria dos brasileiros, que enxergavam nele uma espécie de Europa brasileira, uma vez que sua população foi predominantemente formada por imigrantes de diversas pátrias, vindos em diversas épocas: Açorianos (Portugueses), Espanhóis (Os genuínos gaúchos, na acepção da palavra), vindos do Prata. Mais tarde, os mais conhecidos: Alemães, Italianos e Poloneses (Os famosos polacos, como são por lá chamados). Essa gente toda se mesclou física e culturalmente aos indígenas, chamados pela gauchada de Bugres ou, pejorativamente, como é comum por lá, de Bugrada.
Principalmente pela forte influência cultural dos alemães e italianos, criou-se o estereótipo do povo loiro, alto, morando em casas ao estilo europeu, em cidades limpas e floridas, o que não era de todo falso, uma vez que o Rio Grande já foi marcado por paisagens étnicas e urbanas desta natureza – eu vivenciei isso – num passado que hoje já se vai longe. Hoje, o torrão sul já se integrou às contingências nacionais, mas sempre será útil se fazer alguma reflexão, depois de uma viagem por suas terras, de forma a estabelecer comparativos úteis, com vistas a ajustarmos nossos instrumentos, aqui mais acima, no Sudeste. E foi o que resolvi fazer, para iniciar minha carreira de blogueiro, direcionando minhas considerações, é claro, aos amigos, que costumam se dar ao trabalho de ler ou escutar meus relatos.
Tendo retornado de um circuito, que me levou à Serra Gaúcha, Porto Alegre e até mesmo ao Uruguay, decidi postar alguns textos sobre aspectos que achei interessantes e marcantes, nesta ligeira viagem: Paisagens; Vinhos e vinhedos; Trânsito e estradas; Desenvolvimento e; É claro, impagáveis momentos que passei, revendo pessoas interessantíssimas e rememorando experiências incríveis que marcaram minha infância e juventude, largamente passada nos estados do Sul – Santa Catarina, Paraná e, é claro, Rio Grande do Sul.
Toda vez que postar algum texto novo, informarei meus amigos e espero receber as cabíveis críticas e comentários. Afinal, ninguém é uma ilha. Mantenho uma galeria de fotografias, bastante representativa, sobre minhas viagens pelo Brasil e o Mundo, no Flickr do Yahoo. Ela poderá servir para que o leitor conheça as imagens que complementam as impressões sobre o que escrevo neste blog. Afinal, uma imagem vale por mil palavras. Basta procurar por pessoa: Orlando Ricardo. Depois, será só apreciar o acervo, que ainda está longe de conter tudo o que mantenho arquivado, mas já é bem agradável de ver.
Saudações Neo-Blogueiras.